Aproveitamento de resíduos como fontes de extratos fenólicos pode revolucionar a produção de ingredientes funcionais e sustentáveis.
Você já parou para pensar na quantidade de resíduos que sobram da produção de alimentos? Cascas, sementes, polpas, partes não aproveitadas nas indústrias ou na lavoura — tudo isso costuma ser descartado, mesmo contendo compostos que ainda poderiam ser úteis para nossa saúde.
Quando o que sobra vira solução: como a ciência dos alimentos transforma resíduos em saúde
Pesquisadores da Plataforma Biotecnológica Integrada de Ingredientes Saudáveis (PBIS), liderados pela Dra. Juliana Alves Macedo, estão investigando a melhor forma de transformar resíduos agroindustriais em ingredientes funcionais, capazes de contribuir para a saúde das pessoas e para a sustentabilidade da produção de alimentos.
Mas para chegar a um alimento funcional enriquecido com compostos fenólicos, que de fato entregue benefícios para a saúde do consumidor final, é necessário um longo caminho de pesquisa e desenvolvimento. A jornada entre o resíduo que iria para o lixo e o produto alimentício pode ser dividida em três grandes etapas, cada uma com seus desafios, que os pesquisadores do PBIS estão enfrentando e superando com aplicação de engenharia, biotecnologia, estatística, muitas análises e experimentação.
“Composto fenólico é um termo muito amplo. Eles são muitos, variados, com diferentes tamanhos e estruturas. Não basta estar presente no produto — é preciso que o extrato seja adequado e que os compostos estejam disponíveis para absorção e exerçam funções promotoras de saúde no organismo.”
Dra. Juliana Alves Macedo – Unicamp
Os três grandes desafios científicos
- Escolher os resíduos certos e descobrir a melhor forma de extrair seus compostos fenólicos — substâncias naturais com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.
- Biotransformar os compostos fenólicos, ou seja, realizar ajustes naturais por meio de enzimas ou fermentações para melhorar sua absorção e eficácia no organismo.
- Transformar os extratos em ingredientes funcionais, por meio de processos como a microencapsulação, para aplicação em alimentos como bebidas, balas e confeitos.
Além de buscar compostos bioativos que promovam benefícios à saúde, há uma preocupação fundamental com a segurança dos ingredientes produzidos. Cada resíduo avaliado e cada extrato desenvolvido precisam passar por investigações rigorosas, garantindo que possam ser usados na formulação de alimentos, respeitando os critérios de qualidade, segurança e regulamentações aplicáveis.
“Essa estratégia nos permite avaliar o potencial de cada resíduo agrícola e seus compostos fenólicos. Analisaremos o perfil desses compostos, como eles se comportam no organismo e se realmente têm potencial de gerar um efeito benéfico à saúde.”
Dra. Juliana Alves Macedo – Unicamp
O que são resíduos agrícolas e como melhor aproveitá-los?
Quando pensamos em resíduos da agricultura e da indústria de alimentos, logo vêm à mente cascas de frutas, bagaços, sementes e outros materiais que normalmente são descartados. No entanto, esses chamados resíduos agroindustriais ainda carregam uma riqueza de nutrientes e compostos bioativos que muitas vezes não foram aproveitados no processamento inicial.
É o caso da pele do amendoim, do bagaço da laranja e dos grãos de café verde defeituosos, por exemplo. Todos esses resíduos são gerados em grandes volumes no Brasil e, se tratados da maneira certa, podem deixar de ser um problema ambiental para se tornarem matéria-prima para novos ingredientes saudáveis.
Você sabe o que são compostos fenólicos?
Os compostos fenólicos são substâncias naturais produzidas por vegetais, conhecidas por suas propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias, entre outras. Nas plantas, os fenólicos são mecanismos naturais de defesa contra pragas, microrganismos e estresses ambientais, como excesso de luz, seca ou ferimentos. Também estão relacionados à cor, ao sabor e ao aroma de frutas e vegetais, contribuindo para suas características sensoriais.
Os compostos fenólicos podem variar bastante em estrutura e tamanho, o que influencia diretamente sua eficácia e absorção no organismo. É por isso que a ciência precisa avaliar não apenas se há fenólicos em um extrato, mas quais são esses compostos, em que quantidade estão presentes e se estão biodisponíveis.
Transformando resíduos de café, amendoim e laranja em oportunidades: o que a ciência descobriu
No PBIS, a Profa. Dra. Juliana Macedo e sua equipe decidiram investigar três resíduos agroindustriais com alto potencial para serem transformados em ingredientes: café verde defeituoso, pele de amendoim e bagaço de laranja. A escolha não foi por acaso: as culturas estarem entre as mais produzidas no estado de São Paulo — o que facilita a logística e o reaproveitamento local — e são conhecidas fontes ricas em compostos fenólicos.
Em três artigos científicos já publicados, a equipe conseguiu identificar as melhores metodologias para extrair os compostos fenólicos de cada um desses resíduos, com destaque para métodos mais sustentáveis, que evitam o uso de solventes tóxicos. Mais do que isso, os pesquisadores comprovaram que os extratos obtidos apresentam grande potencial de efeitos funcionais importantes para a saúde, como ação antioxidante, anti-inflamatória, antiglicante e até anti-hipertensiva.
A diversidade dos compostos fenólicos fica ainda mais evidente quando analisamos os resultados obtidos com cada resíduo. Embora todos tenham passado por processos de extração, cada um exigiu uma abordagem diferente, gerando extratos com compostos distintos e efeitos variados.
Isso reforça a importância de estudar cada matriz vegetal individualmente e comprova que a escolha do método de extração faz toda a diferença na qualidade e no potencial funcional do extrato obtido.
Extração de compostos fenólicos a partir de resíduos agroindustriais
Café verde defeituoso
A extração feita por meio de vácuo em baixa temperatura, combinada com enzimas naturais, mostrou ser eficiente na preservação e recuperação de fenólicos como ácido clorogênico, catequina e epicatequina. O extrato demonstrou forte atividade antioxidante e capacidade antiglicante, ou seja, ajudou a inibir compostos relacionados a processos inflamatórios e ao envelhecimento celular.
Pele de amendoim
A extração hidroetanólica (com 50% de etanol) foi a mais eficaz para concentrar compostos fenólicos com alto potencial antioxidante. Além disso, o extrato foi testado em células intestinais (in vitro) e demonstrou atividade anti-hipertensiva por inibir a enzima conversora de angiotensina, envolvida no controle da pressão arterial.
Bagaço de laranja
A combinação de enzimas e solventes eutéticos profundos— uma alternativa sustentável aos solventes químicos — permitiu a extração de altas concentrações de flavonoides como hesperidina, narirutina e naringenina. A adição da enzima pectinase aumentou a presença de flavonoides em sua forma aglicona, o que resultou em um ganho significativo na capacidade antioxidante do extrato.
Mais resultados estão a caminho
Os estudos com resíduos de café, amendoim e laranja mostraram que é possível obter extratos ricos em compostos fenólicos com potencial funcional. Mas esse é apenas um pedaço de um projeto maior.
Enquanto uma parte da equipe trabalha na extração e caracterização desses compostos, outras frentes de pesquisa já atuam na biotransformação dos fenólicos para aumentar sua eficácia e no desenvolvimento de ingredientes alimentares, como balas, bebidas e confeitos que incorporem esses extratos de forma segura e eficiente.
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Conheça mais sobre essa plataforma de pesquisa em:
Obtenção de extratos fenólicos a partir de resíduos agrícolas com aplicação em alimentos funcionais
Assista uma live com a pesquisadora Dra. Juliana A Macedo: clique aqui!
Conteúdo desenvolvido por: Descascando a Ciência
Principais referências
Dias, É.C.P.P. et al. Effects of Extraction Processes on Recovery, the Phenolic Profile, and Antiglycation Activity from Green Coffee Residues (Coffea arabica and Coffea canephora Pierre). ACS Sustainable Chemistry & Engineering, 2024.
Silva, T. M. et al. Bio-Guided Extraction of a Phenolic-Rich Extract from Industrial Peanut Skin with Antioxidant and Hypotensive Potential. Antioxidants, 2024.
Nogueira, A. R. de A. et al. High Concentrate Flavonoids Extract from Citrus Pomace Using Enzymatic and Deep Eutectic Solvents Extraction. ACS Sustainable Chemistry & Engineering, 2022.]