Produção de prebióticos e proteínas doces e suas interações para promoção da saúde humana

Uma das propostas da PBIS é desenvolver e produzir prebióticos e proteínas doces como ingredientes para serem utilizados na indústria de alimentos nacional, reduzindo a importação desses ingredientes e produzindo segundo critérios de sustentabilidade. Esse núcleo de pesquisa e desenvolvimento é liderado pela USP, sob a coordenação do Prof. Fernando Segato, do Departamento de Biotecnologia da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP), e do Prof. Igor Polikarpov, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP).

O objetivo é produzir a proteína doce por meio de um microrganismo geneticamente modificado (cell factory) com aplicabilidade industrial e aprimoramento do processo visando aumentar o rendimento e a escalabilidade. Na primeira fase, a ideia é obter quatro sequências gênicas sintéticas e otimizadas referentes às proteínas doces, as quais serão inseridas por técnicas de biologia sintética no vetor de expressão heteróloga e posteriormente em célula eucariótica, para enfim produzir a proteína doce. Na fase seguinte, a proposta é determinar a melhor condição de cultivo para o cell factory, avaliando o consumo de diferentes fontes de nitrogênio e carbono, o acúmulo de biomassa e a produção dessas proteínas pelo cell factory em fermentação submersa.

A área de pesquisa do Prof. Segato na EEL-USP já desenvolve uma linha dedicada à produção de proteínas recombinantes que agem na modificação da parede celular de plantas. A pesquisa no âmbito da PBIS pretende usar esse conhecimento na modificação de microrganismos para produzir proteínas doces.

A proteína doce selecionada para o projeto é a taumatina, extraída atualmente da planta Thaumatococcus daniellii, originária da África, e comumente encontrada na região oeste do continente, como em Serra Leoa e República Democrática do Congo. A planta produz um fruto triangular que lembra o guaraná, e é conhecida como fruta miraculosa do Sudão ou miraculous berry. Da fruta é produzido um extrato chamado de Katemfe, cujo componente responsável pelo poder adoçante é a taumatina, que pode ser purificada por processo químico ou físico, com um rendimento de aproximadamente 900 miligramas de proteína por quilograma da fruta, resultando em um produto final de coloração amarelada, conhecido como pó de taumatina.

A proposta da pesquisa é desenvolver um microrganismo geneticamente modificado para produção da proteína em biorreatores dentro de um laboratório ou dentro de uma indústria, reduzindo desse modo a necessidade de área plantada, aumentando o rendimento e obtendo uma proteína com as mesmas propriedades da proteína que hoje é extraída da planta. Por esse método, um microrganismo pode produzir, em alguns casos, cerca de 10 gramas por litro de algumas proteínas, em um tempo de cultivo de aproximadamente 5 a 8 dias, enquanto a planta demora no mínimo algumas semanas para crescer, dar flores e frutos.

A ideia é pegar o gene dessa planta, que codifica duas formas da taumatina que agem da mesma maneira. Elas se ligam à papila gustativa exatamente no mesmo local que a sacarose, o que torna seu sabor muito próximo ao da sacarose, quando comparado aos outros adoçantes naturais, sintéticos ou semissintéticos. Além disso, por ser uma proteína, não tem efeito nocivo no corpo, ela entra no sistema digestório, é digerida e utilizada para construção de outras proteínas no corpo.

O trabalho em desenvolvimento prevê que o gene da taumatina seja colocado dentro de uma construção que será utilizada para modificar um microrganismo, neste caso, um fungo filamentoso, devido a suas vantagens, como: transcrever e traduzir o gene que codifica a taumatina, realizando as modificações necessárias, além de transportar e secretar a proteína diretamente para o meio de cultivo. Essa abordagem facilita os processos posteriores, como a separação celular e do meio, assim como a sua purificação.

Fungos, bactérias ou leveduras

 

Inicialmente, o uso de bactéria como a Escherichia coli, muito utilizada na produção de proteínas, foi preterido porque a bactéria mantém a proteína no citoplasma, ou seja, ela precisa ser extraída de dentro da célula. Além disso, a planta é um organismo eucarioto, assim como o fungo filamentoso, enquanto a bactéria é um organismo procarioto. E isso pode acrescentar problemas aos processos de desenvolvimento.

Outra possibilidade seria usar uma levedura, que também é um organismo eucarioto, no entanto, no processo de produção da proteína, ocorrem etapas que levam a modificações como o processo de glicosilação (modificação pós-traducional). Nas leveduras essa modificação é geralmente muito acentuada quando comparada a outros organismos, uma vez que esses microrganismos acrescentam grandes quantidades de ramificações, o que pode afetar as propriedades da proteína de interesse. Por exemplo, imagine que sua proteína seja um bloquinho e esse tenha de se encaixar em uma região com o mesmo formato na sua papila gustativa (seu receptor). Esse bloquinho vai se encaixar no receptor, provocar o efeito (sensação doce) e sair. Se a modificação pós-traducional for acentuada, podem ser geradas ramificações nesse bloquinho, diminuindo ou impedindo que esse se encaixe de maneira correta no receptor, uma questão que tem solução, mas que requer outro processo.

Entre as três possibilidades, os pesquisadores optaram pelo fungo filamentoso também por sua eficiência. Com ele já foi possível obter 10 g/L de algumas proteínas de interesse em que estão trabalhando. Na levedura, provavelmente não se chegaria a essa quantidade, já a E. coli poderia alcançar um resultado próximo, no entanto, esse microrganismo exige várias etapas posteriores, como lise celular, separação das fases e partir para a purificação.

A matéria-prima escolhida para agente indutor da expressão das proteínas no processo é a maltose, que já é usada na fabricação de cerveja, por ser um composto abundante e de custo acessível. Em paralelo, com o fungo modelo com que já se trabalha no Departamento de Biotecnologia da Escola de Engenharia de Lorena, USP, pretende-se obter outro microrganismo, mais robusto, e produzir a proteína de interesse a partir do melaço de cana como única fonte de carbono.

O importante é que seja um composto pronto e barato para produzir a proteína de interesse. Na pior das hipóteses será usada a maltose de milho como fonte de carbono para produzir a proteína. Seria mais fácil adicionar sacarose no alimento? Comparada de maneira equimolar (mesma quantidade de moles), a taumatina tem poder adoçante até cem mil vezes maior que o da sacarose e 300 a 3.000 vezes mais doce em uma base de massa. Por exemplo, para cada 3 kg de sacarose usa-se 1 grama de taumatina. Imagine-se uma latinha de refrigerante contendo 350 ml. Nesse volume, 20% corresponde a açúcar (cerca de 70 g). Para substituir esse açúcar por taumatina, seriam necessários apenas 23,3 mg (igual a 0.023 g) para se obter o mesmo poder adoçante.

Produzida a taumatina, os primeiros lotes de proteína serão enviados para o Ital e ambas as equipes participarão do processamento e aplicação da proteína doce em algum tipo de alimento, como chocolate, para avaliar sua adequação. Os testes vão responder a muitos questionamentos. A proteína passou por um processo que mudou sua estrutura? Perdeu o seu poder adoçante? Mesmo que ela não perca 100% do seu poder adoçante, pode ser que o cálculo inicial era colocar 1 mg, mas foi preciso colocar 5 mg, o que significa que se perderam 80% da eficiência da proteína. Por que se perdeu? Algum composto interagiu? Algum efeito como temperatura, pH, o meio onde ela está ou o excipiente não são viáveis?

E todo esse desenvolvimento pode ser usado depois em diversas outras áreas. Por exemplo, as empresas de cosméticos estão ansiosas para usar enzimas no lugar de ácidos, só que ainda não conseguem devido a barreiras impostas pelas formulações utilizadas. Assim, ou se desenvolve uma formulação compatível ou se faz uma engenharia da proteína para que ela se torne mais compatível. O primeiro passo é obter a proteína, e o segundo é testar. Não deu certo, começa de novo.

Desenvolvimento e produção de prebióticos

 

A parceria entre o Departamento de Biotecnologia da Escola de Engenharia de Lorena e o Instituto de Física de São Carlos foi natural. A linha de pesquisa do Prof. Segato, utilizando microrganismos, produz as enzimas que agem na parede celular de plantas, onde se encontram os polímeros de celulose, xilana, manana, frutose e outros tipos de sacarídeos, que são a matéria-prima para a produção de oligossacarídeos. No Instituto de Física de São Carlos, por sua vez, o Prof. Igor Polikarpov pretendia produzir os oligossacarídeos, que são cada vez mais demandados pelos consumidores por causa de suas propriedades benéficas e já vêm sendo explorados em alimentos funcionais.

Em linhas gerais, na microbiota intestinal das pessoas existem bactérias benéficas que apresentam a capacidade de utilizar esses oligossacarídeos para se desenvolver e, assim, competir com outros microrganismos não tão benéficos. Se uma pessoa consome um alimento rico em alguns tipos de oligossacarídeos, promove o desenvolvimento dessas bactérias benéficas da sua biota.

O objetivo do professor Igor era investigar proteínas capazes de produzir esses oligossacarídeos com diferentes graus de polimerização, por meio de enzimas que partissem uma cadeia longa em cadeias menores. E fazer uso de fungo para produzir essas proteínas e tratar a biomassa. A cana foi a matéria-prima escolhida para a obtenção desses oligossacarídeos.

O Instituto de Física de São Carlos dispõe de ferramentas biofísicas para estudar as proteínas em nível molecular e, assim, obter a distância atômica entre os aminoácidos, entender como a molécula se encaixa no substrato, tentar modificar aquela região de reconhecimento e fazer com que a proteína produza oligos com características desejáveis. Na parceria, o professor Segato, que tem uma biblioteca enzimática bem grande, deve fornecer as cepas fúngicas para a produção de tais proteínas. Posteriormente, na eventualidade de se clonarem outros genes e produzir, o trabalho será conjunto. Por isso, formou-se uma plataforma só tendo por base o fungo filamentoso para obtenção de proteínas doces e outras proteínas para produzir oligossacarídeos.

Com relação às proteínas doces, a taumatina é o carro-chefe do projeto, mas também foram selecionadas outras proteínas que têm o mesmo efeito, como miraculina, monelina, braseína e outras, porque expressar uma proteína não é trivial. A taumatina foi a escolha inicial por já ser utilizada e porque existem trabalhos que já produziram essas proteínas, só que em baixa quantidade, enquanto a proposta do desenvolvimento no âmbito da PBIS é produzir em maior quantidade para uso industrial.

Esses trabalhos anteriores descrevem alguns miligramas por litro, enquanto a proposta atual é chegar a gramas por litro. Com essa finalidade serão testadas diversas proteínas para fazer com que sejam expelidas em maior quantidade. Assim, pode-se mudar algumas regiões específicas da proteína, pode-se ligar essa proteína em outras já produzidas em grande quantidade utilizando essa como um carreador.

O problema de usar um carreador é que depois é necessário separá-lo da proteína de interesse, o que aumenta um passo no processo. Como a pesquisa está pegando uma proteína de planta para colocar em fungo, isso pode confundir bastante a maquinaria celular. Assim, a intenção de colocar uma proteína carreadora é para que essa possa trazer quantidades maiores da taumatina para fora, uma vez que essa é uma proteína supostamente estranha à célula.

Os resultados-chave da Plataforma Biotecnológica Integrada III até dezembro de 2022, visam:

 

KR 1 — Quatro ou mais clones contendo as construções de expressão para as sequências gênicas de interesse

Neste momento, as ações planejadas objetivam realizar a montagem das construções genéticas para a sua posterior inserção no fungo. Ou seja, colocar no vetor de expressão cada uma dessas sequências gênicas correspondentes às proteínas-alvo. Para isso, as sequências gênicas de quatro proteínas doces foram prospectadas, seus códons otimizados e elas foram sintetizadas. Essas sequências foram manipuladas por ferramentas de biologia molecular e preparadas para serem inseridas no vetor de expressão. Esse também precisará ser preparado para receber esses insertos gênicos. Por exemplo, ele será obtido por maior quantidade e será linearizado. Após esses preparados, o vetor será colocado na presença das sequências gênicas correspondentes a cada proteína doce e as ligações acontecerão por metodologia de Gibson Assembly. Essas construções serão inseridas na E. coli para a replicação de cada uma das construções. Por fim, as construções serão extraídas das bactérias clonadas e utilizadas para serem inseridas no fungo e, assim, a maquinaria fúngica deverá ser capaz de “ler” as construções e traduzi-las em forma de proteína doce.

KR 2 – Otimização da secreção de proteínas totais, variando fonte de carbono, tempo de fermentação e meio de cultura

O fungo filamentoso Myceliophthora thermophila é o alvo a ser usado como chassi para a produção das proteínas doces. Nessa fase, serão estudados os fatores microbiológicos relevantes desse organismo para posteriores modificações genéticas e também para a otimização da produção de proteínas em fermentação. Para realizar essas investigações, será determinada a concentração inibitória mínima para o desenvolvimento do M. thermophila na presença de antibióticos. Também será determinada a condição otimizada de produção de proteínas totais, variando fonte de carbono, meio de cultura e tempo de cultivo.

A equipe da plataforma é composta pelos seguintes profissionais:

 

Prof. Fernando Segato (coordenador — proteínas doces), Dra. Gabriela Berto (pós-doutoranda), Msc. Júlia Ortega (doutoranda), Prof. Igor Polikarpov (coordenador — prebióticos), Dra. Paula Higashi (pós-doutoranda).