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Proteína doce: a ciência para adoçar sem açúcar

Como a proteína doce produzida por microrganismos une sabor intenso, saúde e sustentabilidade.

Cada vez mais buscamos uma alimentação que seja saudável, segura e sustentável. Mas, também queremos sentir o prazer de comer alimentos que satisfaçam o nosso paladar ativando nossas papilas gustativas, explorando os sabores doce, salgado, azedo, amargo e umami. Inovações como a incorporação de proteínas capazes de ativar a sensação doce em substituição ao açúcar podem contribuir para unir essas duas demandas.

Na ciência e tecnologia dos alimentos, o papel dos pesquisadores é entender os mecanismos que conectam o que colocamos na boca às sensações de prazer que chegam ao cérebro — e, a partir desse conhecimento, desenvolver soluções que mantenham o sabor, mas com impacto positivo para a saúde e o meio ambiente.

Inovação aberta para resolver desafios reais da indústria de alimentos

Pesquisas que envolvem novas rotas tecnológicas e ingredientes ainda pouco explorados nem sempre são fáceis de viabilizar. É por isso que o modelo de inovação aberta tem ganhado espaço, reunindo esforços de diferentes setores para promover avanços científicos com aplicação prática.

A Plataforma Biotecnológica Integrada de Ingredientes Saudáveis (PBIS) é um exemplo desse modelo. Esse Núcleo de Pesquisa Orientada a Problemas no estado de São Paulo (NPOP), liderado pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital/Apta/SAA) e viabilizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP (FAPESP), tem enfrentado desafios reais da indústria de alimentos, por meio da colaboração entre governo, instituições de pesquisa, universidades e empresas.

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Entre os projetos em andamento, está a pesquisa voltada para o desenvolvimento de proteínas doces, com destaque para a taumatina.

Neste texto, vamos explicar o que são essas proteínas, por que a taumatina foi escolhida como foco inicial e como a biotecnologia pode permitir sua produção em escala industrial.

O que são proteínas doces e por que a taumatina é tão promissora

As proteínas doces são moléculas naturais produzidas por algumas plantas e que despertam sabor adocicado intenso quando entram em contato com as papilas gustativas. Embora sejam proteínas — e não carboidratos como o açúcar —, elas ativam os mesmos receptores responsáveis pela percepção do sabor doce.

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Apesar de seu grande potencial como adoçante natural, a obtenção da taumatina – extraída diretamente do fruto da planta africana Thaumatococcus daniellii – apresenta desafios significativos:

  • baixo rendimento a extração resulta em apenas cerca de 900 mg de proteína por quilo de fruta, o que limita a disponibilidade e a escalabilidade do produto.
  • dificuldade de cultivo – a planta é de origem africana, o que torna seu cultivo complexo e encarece a produção.
  • logística a cadeia de produção é longa, depende do desenvolvimento da planta e da sazonalidade da colheita.

Para superar essas limitações, a Plataforma III do PBIS propôs uma abordagem inovadora: utilizar microrganismos geneticamente modificados para produzir taumatina em laboratório. Esse processo biotecnológico promete maior eficiência, rendimento superior e menor impacto ambiental, eliminando os desafios logísticos e econômicos da extração direta da planta.

Como produzir taumatina em laboratório: o uso de microrganismos como fábricas celulares

A proposta dos pesquisadores é usar ferramentas de biotecnologia,  biologia sintética e molecular para transformar microrganismos em verdadeiras fábricas celulares, capazes de produzir proteínas doces, como a taumatina, de forma mais eficiente e sustentável. Conhecida como fermentação de precisão, essa estratégia já é utilizada para fabricar ingredientes como enzimas, colágeno e até insulina.

A equipe do Dr. Fernando Segato, pesquisador  do Departamento de Biotecnologia e docente da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP), adotou o fungo Aspergillus nidulans — amplamente estudado como grande produtor de diversas enzimas — como modelo de estudo e o fungo Thermothelomyces thermophilus como  plataforma biotecnológica para a produção da taumatina.

Para que o fungo consiga produzir e liberar corretamente a taumatina, de forma que ela possa ser extraída, concentrada e utilizada na indústria de alimentos, é preciso recorrer à engenharia genética da sequência de DNA da proteína. Esse processo envolve uma série de estudos que permitem acompanhar todo o percurso da proteína dentro da célula, desde sua formação até a secreção no meio de cultivo, e, a partir disso, otimizar a produção.

Essa abordagem tem um grande potencial:

  • enquanto a planta leva meses ou até anos para produzir frutos, o fungo pode produzir a proteína em poucos dias de cultivo.
  • ao invés de obter miligramas de proteínas doces por quilo de fruta — como ocorre atualmente na extração da taumatina —, é possível alcançar gramas por litro de fermentação.
  • não são necessárias grandes áreas plantadas, portanto há menor impacto ambiental, além de maior previsibilidade.

A ideia é que, no futuro, essa tecnologia permita a produção da taumatina em larga escala, com mais eficiência, segurança e sustentabilidade, tornando possível sua aplicação na indústria brasileira de alimentos.

Por que a produção nacional da proteína doce é estratégica?

Atualmente no Brasil, muitas das proteínas doces de interesse da indústria alimentícia, como a taumatina, são importadas, o que aumenta o custo dos produtos, gera dependência do mercado externo e dificulta o acesso a ingredientes inovadores.

Produzir essas proteínas nacionalmente, utilizando microrganismos geneticamente modificados e processos biotecnológicos otimizados, representa um passo importante para fortalecer a autonomia tecnológica e a competitividade da indústria de alimentos brasileira.

Além de reduzir custos e ampliar o acesso a ingredientes funcionais, essa estratégia promove:

  • a valorização da ciência e da tecnologia do Brasil;
  • a aplicação prática da biotecnologia de ponta em escala industrial;
  • o desenvolvimento de ingredientes mais saudáveis e sustentáveis para atender consumidores cada vez mais atentos à qualidade nutricional e à origem dos alimentos.

Ao mesmo tempo, iniciativas como a PBIS ajudam a construir uma nova cultura de inovação colaborativa no setor de alimentos, em que universidades, institutos de pesquisa, empresas e governo trabalham juntos para transformar conhecimento científico em soluções reais para o mercado e para a sociedade.

Do laboratório à mesa: ciência que transforma a alimentação

A pesquisa conduzida na Plataforma III do PBIS mostra como a aplicação da biotecnologia na produção de proteínas doces pode tornar viável a fabricação em escala industrial de ingredientes como a taumatina — uma alternativa promissora ao açúcar, com potencial para ser usada pela indústria de alimentos.

Tudo isso só é possível porque o projeto foi estruturado desde o início dentro de um modelo de inovação aberta, que conecta diferentes saberes, competências e setores. É assim que o PBIS transforma conhecimento em impacto real.

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Conheça mais sobre essa plataforma de pesquisa em:

Produção de prebióticos e proteínas doces e duas interações para promoção da saúde humana

Assista uma live com o pesquisador Dr. Fernando Segato: Clique aqui!

 

Conteúdo desenvolvido por: Descascando a Ciência

 Principais referências

Bacchhav, B., et al. Cell factory engineering: challenges and opportunities for synthetic biology applications. Biotechnol Bioeng, 2023.

Fadahunsi, O., et al. Phytochemistry, nutritional composition, and pharmacological activities of Thaumatococcus daniellii (Benth): a review. Journal of Biotechnology, Computational Biology and Bionanotechnology, 2021.

Kadoguchim E. A., et al. Optimization of Cellulase Production from Agri-Industrial Residues by Aspergillus terreus NIH2624. MDPI – Processes, 2024.

Kelada, K. D., et al. Process Simulation and Techno-Economic Analysis of Large-Scale Bioproduction of Sweet Protein Thaumatin II. MDPI – foods, 2021.