Do feijão carioca à indústria: como a ciência brasileira transforma essa tradicional leguminosa em solução proteica sustentável e tecnológica.
Nos próximos anos, alimentar uma população global em crescimento exigirá mais do que volume: será preciso desenvolver soluções saudáveis, sustentáveis e tecnologicamente viáveis. E quando falamos em proteínas, um dos grandes desafios será diversificar suas fontes —, reduzindo a dependência da produção animal e ampliando a oferta de ingredientes de origem vegetal.
No Brasil, os alimentos à base de plantas vêm ganhando espaço, mas ainda são produzidos, em sua maioria, a partir de sementes de oleaginosas como a soja. Além disso, a transformação da proteína vegetal em ingredientes com funcionalidade tecnológica adequada à indústria de alimentos — que envolve textura, capacidade de emulsão, solubilidade, entre outros fatores — ainda representa um obstáculo importante.
A plataforma IV do PBIS: novas fontes de proteínas vegetais
É justamente nesse ponto que entra a inovação proposta pela Plataforma IV do PBIS – Plataforma Biotecnológica Integrada de Ingredientes Saudáveis. Coordenada pela pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital/Apta/SAA) Mitie Sônia Sadahira, sua equipe busca desenvolver novos ingredientes proteicos vegetais a partir do feijão carioca, um alimento amplamente cultivado e consumido no Brasil, utilizando processos sustentáveis, como o fracionamento a seco.
Neste texto, você vai entender por que a proteína vegetal é estratégica para o futuro da alimentação e como o PBIS está desenvolvendo soluções que unem ciência, tecnologia e aproveitamento inteligente de matérias-primas brasileiras.
O papel da proteína vegetal para o futuro dos alimentos
Hoje, a maior parte da ingestão proteica da população mundial ainda vem de alimentos de origem animal, como carnes, ovos, leite e derivados. Mas, com o crescimento populacional previsto para os próximos anos, será necessário diversificar e ampliar as fontes de proteína, investindo em alternativas mais eficientes, acessíveis e sustentáveis.
A proteína vegetal surge como uma dessas soluções. Além de ter menor impacto ambiental, ela atende à demanda de um número crescente de consumidores que buscam reduzir o consumo de proteína animal — seja por questões de saúde, ética ou sustentabilidade.
Entre esses consumidores, destacam-se os chamados flexitarianos, que não eliminam a carne, mas procuram substituí-la com mais frequência. Para atender esse público, é essencial que os alimentos à base de plantas ofereçam sabor, textura e valor nutricional, o que depende diretamente do desenvolvimento de tecnologias capazes de explorar todo o potencial das proteínas vegetais.
O desafio da funcionalidade: por que a proteína vegetal precisa de tecnologia
As proteínas vegetais não são obtidas “prontas para uso” como as de origem animal — por exemplo, o leite e o ovo já podem ser usados diretamente em receitas de bolo, sorvete e outros alimentos. Já as proteínas vegetais, em geral, estão associadas a fibras, amidos e outros compostos que precisam ser separados e processados antes de serem utilizados como ingredientes na indústria de alimentos.
Mais do que isolar a proteína, é necessário garantir que ela tenha funcionalidade tecnológica, – ou seja, que seja capaz de desempenhar papéis fundamentais na formulação dos produtos, como dar textura, estabilidade e cremosidade, além de permitir a formação de espumas, emulsões e géis.
Para que as alternativas vegetais avancem, é fundamental que suas proteínas também sejam capazes de emular essas funções tecnológicas, tornando os produtos atrativos para os consumidores.
Do feijão ao ingrediente: uma nova rota tecnológica para proteína vegetal
Para levar à indústria de alimentos uma nova fonte de proteína vegetal, a equipe da pesquisadora Dra. Mitie Sônia Sadahira está atacando dois pontos estratégicos: a escolha do feijão carioca, amplamente produzido e consumido no Brasil, e a substituição do método tradicional de extração de proteínas vegetais.
Em vez do fracionamento úmido — que exige grandes volumes de água, uso de reagentes químicos e etapas de secagem com alto consumo de energia —, o projeto aposta no fracionamento a seco, uma rota tecnológica baseada em processos físicos como moagem e separação por tamanho e densidade de partículas. O método gera duas frações: uma fina, rica em proteína, e outra grossa, rica em amido.
Entre as vantagens do fracionamento a seco, destacam-se:
- preservação da estrutura nativa das proteínas, favorecendo sua funcionalidade;
- maior eficiência energética e menor impacto ambiental.
Como parte do desenvolvimento da melhor estratégia para obtenção de proteína vegetal a partir do feijão carioca, os resultados do recente artigo publicado pela equipe da Dra. Mitie (Kaspchak, E. 2025) apontam que, mesmo com a quebra do grão, é possível preservar — e até melhorar — características tecnológicas importantes, como capacidade de retenção de água, solubilidade e formação de emulsões. Essas propriedades são fundamentais para o uso de proteínas vegetais em alimentos processados.
Isso adiciona mais um fator de sustentabilidade à proposta: o uso de grãos que poderiam ser descartados como resíduos, ampliando o aproveitamento de matérias-primas disponíveis.
Essa conexão entre pesquisa aplicada e valorização de resíduos agroindustriais reforça o compromisso do PBIS com soluções sustentáveis, acessíveis e alinhadas com as necessidades reais da indústria de alimentos.
O futuro da alimentação começa com o aproveitamento do que já temos
A pesquisa conduzida na Plataforma IV do PBIS mostra como a inovação pode surgir da valorização de ingredientes que já fazem parte da cultura alimentar brasileira, como o feijão carioca. Ao combinar matéria-prima nacional, processos sustentáveis e tecnologia aplicada, a equipe vem construindo um novo caminho para ampliar o uso da proteína vegetal na indústria alimentícia.
A proposta alia ciência, eficiência e respeito ao meio ambiente — aspectos cada vez mais valorizados por consumidores, empresas e instituições. E o melhor: com soluções pensadas desde o início para serem aplicáveis na realidade da produção de alimentos no Brasil.
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Conheça mais sobre essa plataforma de pesquisa em:
Novas fontes de proteínas vegetais com funcionalidade tecnológica e nutricional
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Conteúdo desenvolvido por: Descascando a Ciência
Principais referências
Kaspchak, E., et al. Hydration of broken carioca beans: Kinetics and changes in composition and techno-functional properties. Journal of Food Engineering, 2025.
Pacheco, Maria Teresa Bertoldo; Sadahira, Mitie Sônia Proteínas vegetais (plant-based) / Maria Teresa Bertoldo Pacheco e Mitie Sônia Sadahira – São Paulo: Tiki Books: The Good Food Institute Brasil, 2022.